quarta-feira, 4 de agosto de 2010.
A PEDRA INVISÍVEL - para Eliseu Moreira Paranaguá


Um dia nasci uma pedra!

Como bebê pedra eu sei,
não causei dor, embaraço
e nem chorar eu chorei
contrariamente aos que surgem
de pais vivos, que se movem
e exigem seu espaço
não causei suor, cansaço
e nenhum trabalho eu dei.

Não acordei a ninguém
para que de madrugada
encarasse a cozinha
pra fazer a mamadeira
nem também trocar meus panos
e limpar minha sujeira
ou muito menos mandei
que uma babá sonolenta
zangada e rabugenta
maldosa e nos bagaços
se encurvasse no apoio
destes meus primeiros passos.

Fiz-me a criança pedra
quieto, no meu lugar
nem parecia com outras
que vinham me atazanar;
não impliquei com os filhos
de condes, barões, marquesas,
nem mesmo dos pobrezinhos
longínquos ou vizinhos
não dei cuidado ou despesas
com mestres e explicadores,
bedéis e preceptores,
para enfim entender
o que me empedernia,
o que devia saber
para ser o que seria
na consciência semente
fria, dura, contundente
de uma pedra adolescente.

Não fui jovem revoltado
nem ao menos problemático
sempre na minha, estático
não meti o meu bedelho
nas conversas e esculachos
tramóias e cambalachos,
não dei dica nem conselho,
não fiz parte dos conchavos
dos que existem de montão
tão comuns em Malhação.

A tudo calmo assisti,
presenciei, convivi
na paz passiva e feliz
de quem almeja ser pleno,
por inteiro e por completo
tranquilo, calmo e sereno
mas mesmo assim resoluto
por destino e diretriz,
até que me fiz adulto.

Já ninguém mandava em mim
e como recebesse indulto
quase auto-sustentável
pude fazer o que quis,
na firmeza da vontade
que não depende de aceite
pétrea, impermeável
como um dente de leite
que enfim criasse raiz.

Cresci do mesmo tamanho,
sem cuidado, sem amanho
numa vida nem tão viva
sem calor do sentimento
chata, feia tediosa
sem prazer, sem movimento,
sem dor, sem gosto e sem trauma;
nesta ação contemplativa
me vi uma pedra idosa
sem saber se tinha alma.

Hoje diante do mundo,
deste caos incongruente,
deste multi-falatório,
não sei se sou pedra ou gente
no silêncio aleatório
da muda revolução;
congelo minhas ações
permaneço nos meus dias
de mente e contemplação
sabendo que nada resta,
como crítico do mundo,
do que presta e que não presta,
que manter-me alienado
ante o abismo profundo,
vendo a revolta que medra,
sendo assim considerado
só mais um doido de pedra.

E por não ter nenhum sexo
opção ou preferência
pelo azul ou pelo rosa
não adquiri complexo
nem perdi a paciência
ao me ver pedra porosa
fruto da longeva idade
de tempos imemoriais
ciclo que a vida encerra
sem julgamentos morais
no ato de me tornar pó
e misturar-me na terra
quieta calada e só
saindo da condição,
da matéria abrindo mão,
de pedra desde nascença
sem viagem, sem andança;

ontem concreta presença
hoje volátil lembrança.

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