UM ELEFANTE NA MATA ATLÂNTICA

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011.
Artigo finalista do concurso nacional Redescobrindo o Brasil realizado pela Natura Ekos

Extremo sul da Bahia, costa do descobrimento, trinta anos atrás.
Eram nove horas quando parei o carro na estradinha que penetra a mata atlântica, atravessei a ponte de madeira da praia do Paixão, avistando a bela lagoinha e, mais além, as ondas mansas espancando a areia branca, várias vertentes a vazar das falésias verticais, às vezes até esguichando a água, o que tornava um simples banho numa aventura espetacular.
Contornei a lagoinha, subi na areia que separa o mar da doce água da lagoa, quando percebi alguém em meio ao banho, um vulto grande e escuro, que eu não identificava, e ao me aproximar, constatei que era várias vezes maior que eu, aparentando obesidade, já que suas banhas se mexiam e tremelicavam a qualquer movimento, sob o jato da cascata.
Como se pressentisse a minha observação, o banhista parou os sacolejos por instantes, girou o pescoço numa torção impossível e me olhou nos olhos.
Tomei um susto quando o reconheci, enorme e desajeitado, o apêndice nasal curvado sobre a boca: um filhote desgarrado de elefante marinho.
Sem a menor pressa, deixou que a água lhe batesse por cada polegada, revirando-se todo, seu pelo curto brilhando, até que voltou a olhar-me longamente, e como me visse sozinho, o próximo na fila do banho, olhou o jato d’água, como se dele se despedisse e foi-se arrastando, deixando um rastro largo, as nadadeiras da frente revolvendo a areia, enquanto subia o montículo que me impedia de ver o mar.
Entrei sob a água gelada e, quando abri os olhos, o belo animal acabava de transpor a crista de areia, sumindo de vista.
Corri para vê-lo mais uma vez, tão exótico, com seus oitocentos quilos, e que civilizadamente me cedera o lugar no banho de cascata.
Cheguei na parte alta da praia e vi apenas os rastros que mostravam o lugar exato onde ele se misturou ao oceano.
Desse dia em diante, sempre que passo naquela região de matas e nascentes, tenho a esperança de reencontrá-lo e, quem sabe, retribuir a gentileza.

2 Comentários:

Anônimo disse...

Que bonito!!!
Não ganhou assim à toa.
e como seu blog tá lindo!
PARABÉNS POR TUDO.
Bjões

Unknown disse...

Salve, cavaleiro!!
Olha, seu conto me pareceu muito bom. Não só pelo caráter insólito do visitante em si, bem aqui na costa da Bahia; como pela sutileza com que você nós dá detalhes - os passos, virar do pescoço, etc.
Recentemente tenho lido alguns autores argentinos e uruguaios da primeira metade do século XX( J.J. Morosoli, Ricardo Guiraldes) e encontrei algo em seu texto que me faz lembrar um volume de pequenos contos de Guiraldes (Cuentos de sangre y de muerte. Coisas do tipo: um universo magistralmente fornecido em poucas linhas. Algo que, talvez, todos nós devamos ao mestre Tchekhov.
Enfim, parabéns pelo texto e pelo prêmio.
Avante e abraços.
Dênisson Padilha Filho.

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